Burckhardt

"Agora eu sei que jamais poderei ser verdadeiramente feliz de novo longe de Roma", suas ruas, seus jardins - uma cidade onde, por um lado "não há o menor sinal de indústrias" e, por outro, "o lazer fez com que a polidez florescesse feito uma arte."



(Lamento do suiço Jacob Burckhardt em 1846 quando abandonou a cidade itálica. Tornou-se célebre com "A Cultura no Renascimento na Itália" em 1860.)



domingo, 28 de novembro de 2010

Guerra no Rio: o novo reality show da Globo


A ação do Estado nos últimos dias por meio do seu aparelho repressivo contra o poder paralelo do tráfico de droga na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão vêm sendo uma resposta aos anseios da sociedade contra o crime e o desmando na cidade do Rio de Janeiro. As brechas historicamente deixadas pelo Estado foram usadas por inúmeros traficantes no intuito de ocupar o espaço público em prol de seus interesses ilegais e exclusivistas, prejudicando a população ao redor e deixando uma constante apreensão da sociedade carioca no que tange à sua segurança. Sem dúvida, trata-se de um momento histórico, é o momento em que o Estado vem cobrar seu território frente àqueles que lhe usuparam em prol de seus interesses e contra a sociedade, a bandeira brasileira fincada nos morros mostra a ocupação pública daquelas áreas tomadas.

Criou-se então um pânico entre os traficantes e toda a "corja" de indivíduos dos morros. A imagem acima indica justamente o momento em que a Vila Cruzeiro foi ocupada e os bandidos foram obrigados a pular para o outro lado do morro, o Complexo do Alemão, que seria ocupado já no dia seguinte. A cena foi tratada em tom de pilhéria, ridicularizando os bandidos, patetizando e passando um tom de comédia e covardia para a fuga.

A Globo passou a tratar do tema como se fosse um de seus programas, um big-brother real misturado com Tropa de Elite no qual a emissora coloca seus enviados de colete em meio às balas ciculantes pelo céu e poderia até mesmo entregar uma arma para algum deles para que do infalível globocóptero atirasse nos bandidos que são captados por suas câmeras, como a imagem acima. A morte do jornalista da emissora é passada como o crime principal de um dos bandidos apreendidos, Zeu, bem como esse bandido recebe uma cobertura especial, muito mais do que os outros. O esporte-espetacular, o Faustão, o Fantástico, toda hora se fala do evento, sem dúvida importante e muito bem coberto pela emissora que tira da notícia seu objeto, nada de errado nisso.

O que me parece errado é ver esse evento do âmbito presentista e não situar quem são aqueles bandidos e as razões deles existirem. Ou seja, em momento algum se diz que a pobreza, a desigualdade de renda e a predominância do interesse dos ricos sobre os pobres no Brasil que criaram essa situação. Em momento algum se diz que o desleixo do Estado pelos pobres historicamente presente na história é que criou o espaço para ação dos excluídos nas brechas deixadas.

Os bandidos são sim criminosos, devem ser presos e causa alívio vê-los reprimidos pelo Estado. Mas quem criou esse mal da bandidagem? Fomos nós: a sociedade. Eles não são produto da vagabundagem tampouco da "crueldade humana", eles são um reflexo da História do Brasil e do Capitalismo marcadas pela desigualdade econômica que gera uma grande massa de excluídos que enveredam para a ação destrutiva como forma de suprir sua posição social deficitária.

A Globo não diz isso. O que importa perceber é que enquanto não houver uma eliminação da pobreza não haverá eliminação do que se tenta destruir com tanques da marinha e armas pesadas.